Existem vários temas que poderíamos falar. Poderíamos conversar sobre a beleza do sol e da lua. O céu em um misto de noite e dia. Poderíamos falar sobre os casais de mãos dadas que passam agora na minha frente desfilando pela rua. Nunca senti tanto ciúmes do amor. Poderíamos falar sobre o cigarro acesso esquecido entre meus dedos. Um dia eu o detestei, falei para mim mesma que não seria uma dessas (mas não deu certo).
Mas hoje não. Não. Eu estou pensando em outra coisa. Precisamente no prato com a torta ainda pela metade a minha frente. Nem sei o que me fez sentar na mesinha do bistrô e pedir a droga dessa torta. As primeiras garfadas desceram com o sabor doce dos velhos tempos, mas se transformaram logo nas azedas memórias.
O glacê tinha sido impecavelmente arrumado, fazendo aquelas curvas caprichadas que nos intrigavam tanto. As camadas douradas mesclavam-se com o creme rosa de sabor agradável. Era a sobremesa favorita dos velhos tempos.
Eu não derramei lágrimas, companheiros, não chorei com saudades do passado. Eu já tinha deixado de ser a mulher que chorava pelo passado. Inúmeras lágrimas já foram arrancadas de meus olhos, mas não mais. Não agora. Não tão tarde. Eu tinha deixado aquele eu para trás.
Mas por que, alguém me responda, por que aquela maldita torta se tornava azeda em meu paladar? Por que eu não conseguia desligar o passado e fazê-lo parar de influenciar quem eu era?
Mesmo os momentos bons agora pareciam não ter mais sentido. Eles ficaram lá atrás e agora a terrível sensação de que todos tinham passado me assolava. Eu estava vazia. Vazia e fazendo o que eu não deveria. Agora estou em um bistrô matando minha dieta com algo que não irei aproveitar e soltando baforadas para o céu de fim de tarde.
De quem era a culpa de tudo aquilo? Do passado que ficou em seu lugar ou minha, que achava que tinha conseguido seguir em frente, mas está agora em uma mesinha redonda - sozinha - invejando o amor de quem passava na rua.
De quem era a culpa? Se o conto de fada durou apenas os primeiros capítulos e o felizes-para-sempre se tornou novamente um conto da carochinha? E eu ainda penso e repenso no que poderia ter acontecido para não termos acabado daquele jeito. Desse jeito.
Abandonei de vez o doce. Bebi em goles longos o mocaccino gelado e larguei uns trocados sobre a mesa. Já estava tarde e era hora de voltar para casa. Já era tarde. Era hora.
Abaixei a cabeça e segui meu caminho junto com as lembranças.
"De quem era a culpa? Se o conto de fada durou apenas os primeiros capítulos e o felizes-para-sempre se tornou novamente um conto da carochinha? E eu ainda penso e repenso no que poderia ter acontecido para não termos acabado daquele jeito."
ResponderExcluirGostei imensamente de estar aqui!